terça-feira, 4 de maio de 2010

Uma crise na formação de pensadores no terceiro milênio

Posted on 06:09 by João Victor Souza Guimarães

Uma importante pesquisa que realizei com mais de mil educadores de centenas de escolas apontou que 97% deles consideram que as características da inteligência, que foram vividas e ensinadas exaustivamente pelo mestre de Nazaré, são fundamentais para a formação da personalidade humana. Entretanto, para o nosso espanto, mais de 73% dos educadores relataram que a educação clássica não tem conseguido desenvolver tais funções. Isto indica que ela, apesar de conduzida por professores dedicados, que são verdadeiros heróis anônimos, atravessa uma crise dramática.
A educação pouco tem contribuído para o processo de formação da personalidade e para com a arte de pensar. A escola e os pais estão perdidos e confusos quanto ao futuro dos jovens.
No VII Congresso Internacional de Educação* ministrei uma conferência sobre “O funcionamento da mente e a formação de pensadores no terceiro milênio”. Na ocasião, comentei com os educadores que, no mundo atual, apesar de terem se multiplicado as escolas e as informações, não multiplicamos a formação de pensadores. Estamos na era da informação e da informatização, mas as funções mais importantes da inteligência não estão sendo desenvolvidas.
Ao que tudo indica, o homem do século XXI será menos criativo do que o do século XX. Há um clima no ar que denuncia que os homens do futuro serão repetidores de informações, e não pensadores.
Será um homem com mais capacidade de dar respostas lógicas, mas com menos capacidade de dar respostas para a vida, ou seja, com menos capacidade de superar seus desafios, de contemplar o belo, de lidar com suas dores, enfrentar as contradições da existência e perceber os sentimentos mais ocultos das pessoas. Infelizmente, será um homem com menos capacidade de proteger a sua emoção e com mais possibilidade de se expor a doenças psíquicas e psicossomáticas.
A culpa não está nos professores, pois estes possuem um trabalho estressante e, apesar de nem sempre terem salários dignos, ensinam freqüentemente como poetas da inteligência. A culpa está no sistema educacional que se arrasta por séculos, que possui teorias que compreendem pouco tanto o funcionamento multifocal da mente humana como o processo de construção dos pensamentos*. Por isso, enfileira os alunos nas salas de aula e os transforma em espectadores passivos do conhecimento, e não em agentes modificadores da sua história pessoal e social.
O mestre de Nazaré queria produzir homens que se interiorizassem e que fossem ricos e ativos nos bastidores da inteligência. Entretanto, vivemos numa sociedade que exterioriza o homem. A competição predatória, a paranóia da estética e a paranóia do consumismo têm ferido o mundo das idéias, têm contraído o processo de interiorização e a busca de um sentido mais nobre para a vida.
Invertemos os valores: a embalagem vale mais que o conteúdo, a estética mais do que a realidade. O resultado disso? Infelizmente está nos consultórios de psiquiatria e de clínica médica. A depressão, os transtornos ansiosos e as doenças psicossomáticas ocuparão os primeiros lugares entre as doenças do homem do século XXI. Por favor, não vamos culpar excessivamente a famosa serotonina contida no metabolismo cerebral por estes transtornos psíquicos. Precisamos ter uma visão multifocal e perceber que há importantes causas psíquicas e psicossociais na base deles.
Os jovens, bem como os adultos, não aprendem a viver a vida como um espetáculo. Não se alegram por pertencerem a uma espécie que possui o maior de todos os espetáculos naturais, o espetáculo da construção de pensamentos. Como é possível um ser humano, tanto um intelectual quanto alguém desprovido de qualquer cultura acadêmica, conseguir em milésimos de segundos acessar a memória e, em meio a bilhões de opções, resgatar as informações que constituirão as cadeias de pensamentos? Você não fica pasmado com a mente humana? Eu fico assombrado com a construção da inteligência. É possível se encantar e perceber complexidade até na inteligência de uma criança deficiente mental ou autista.
Na minha experiência com crianças autistas, cujo córtex cerebral está preservado, quando estimulamos os fenômenos que constroem os pensamentos, muitas delas desabrocham para a convivência social como uma flor que recusa a solidão e quer pertencer a um jardim. Quem não é capaz de se encantar com o espetáculo dos pensamentos nunca penetrou em áreas mais profundas do seu próprio ser.
Os pensamentos mais débeis que produzimos são, ainda que não percebamos, construções complexas. Tão complexas que a psicologia ainda se sente uma “ciência menina” para compreender os fenômenos que delas participam.
Quem é incapaz de contemplar a vida também não consegue homenageá-la a cada manhã. Não consegue acordar e bradar: “Que bom! Eu estou vivo. Posso viver o espetáculo da vida por mais um dia”. Quantas vezes olhamos para o universo e declaramos que, embora sejamos tão pequenos e possuamos tantas dificuldades e erros, somos um ser único e exclusivo; um ser que pensa e tem consciência de que existe? Cristo vivia a vida como um espetáculo. Tédio não fazia parte da sua história.

Augusto Cury em O Mestre da Sensibilidade

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